quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A PRIMEIRA VEZ E A GRATIDÃO

Eu me lembro da primeira vez que beijei uma mulher

numa festa de muito tempo

senti um misto de dor e aventura

quando a vida me mostrava emoções diversas

ensinando-me sua marca

as emoções tremedeiras

encostava-me na pele dela a fina pele de meus lábios.

E eu a deixei partir

em seu sorriso doce me disse adeus

e foi saindo

como uma nuvem que perde sua individualidade

e se mistura ao céu

camuflando-se de foliã

ainda com pescoço estendido e olhando para trás

me observando.

Desapareceu para sempre,
criando sua individualidade eterna em mim
sumindo de minha adolescência

e o remorso ainda hoje me pergunta

-Por que deixou, ela, partir tão rápido?

E eu olho a minha inexperiência.

II

Eu me lembro da primeira vez que fui pai

num hospital isolado do mundo

no canto silencioso receber em verdes panos

as fitas dos lábios dela

me ensinando outra dimensão

senti dor e aventura

país inexplorado da paternidade

tremi com ela em meus braços

quando a embalava ,

seu olhar perdido embaçado e vago

na docilidade de seu cheiro de primeiro dia de vida.

O remorso me perguntou

Por que não a embalaste mais?

Olhei para minha pequenez


III

Eu me lembro da primeira vez que o câncer entrou em meu lar

chegando do modo mais traiçoeiro

e dormiu na minha cama

muito tempo ao meu lado

no seio direito de quem mimou meus filhos

senti dor e aventura

mergulhando-me no verdadeiro papel do cuidador

ele adormeceu ao lado de seu coração

sentiu-se a vontade ali

distraidamente se multiplicou

até que

Fora arrancado numa manhã de feriado de junho

levando junto os músculos alimentadores de meus rebentos

sustentadores da sensualidade


IV


Eu me lembro da primeira vez que enfrentei uma grande empresa Unimed Londrina

sua covardia ameaçava a quimioterapia de minha companheira

senti um misto de dor e aventura

atravessado pelas espadas do mau senso

vi-me pequenino e minúsculo diante da frieza do pensamento capitalista reducionista

Mas

agigantei-me na emoção que me move

tremi de coragem

nadei em adrenalina

não dormi,
nem admirei estrelas amigas
como se fosse vingador sedento, na barbárie do século XXI

o remorso nunca me perguntou a razão de minha batalha

quando nem forças mais havia em mim

Queria soprar o valor de justiça







v

Eu não me lembro a primeira vez que um amigo me ajudou

Não senti dor nem aventura

Somente percebi que estavam ao meu lado

Sem falar, sem olhar

mas estavam ali

e agora percebo mais que nunca

que mais importante que a morte ou a vida

que a cura ou a doença

que a aprovação ou a reprovação

são os esforços que fazemos para alimentar os sonhos dos que estão ao nosso lado

proporcionando ao amigo

nosso tempo,

nosso esforço

e cultivo uma grande gratidão por isto

e qualquer dia poder te falar pessoalmente

sobre minha gratidão a você.
obrigado

sábado, 5 de setembro de 2009

Metáfora e metástase,resumo do câncer II


e o melhor de toda esta volta,

é,

que a dor não precisa ter dor!

sofre-se sem sofrer,

está-se dentro do triturador
e a gente somente olha ao horizonte
de qq local
bem longe

tão longe que apertamos os olhos pra
ver

e esticamos o pescoço
pra escutar

e sente, vê, escuta,
o triturador picar a nossa vida

faz aquele terremoto


mas não dói!
arrebenta tudo
revoluciona,cria,descria,arranca quantas lágrimas forem necessárias

coloca em xeque o que sonhamos

e tudo o que ocorre é
que saimos na ponta
e não dói!

não sei porque
não quero saber

sei que minha plenitude diante de tudo isto
é estar ao lado

e passar as mãos sobre sua cabeça
já sem cabelos

e vê-la

pela primeira vez
seu couro cabeludo
agora desnudo e a mostra
onde tanta vez

buscou o aconchego em meus ombros

só oportunidades peço

antes a fartura
que a miséria

quero me permitir
te acompanhar

Metáforas e metástases -resumo do cancer I


FOI O QUE ME LEVOU A ATENDER PESSOAS PORTADORAS DE CÂNCER
TER A DOENÇA POR PERTO!



Eu não me lembro onde eu estava quando fiquei sabendo.
Talvez se forçar a memória machucada até conseguiria
e eu não quero.
Só sei
que dentro da minha cabeça havia muito vento,
eu o sentia rodando em algum lugar.
Os meus pés estavam tão leves que
voavam ou flutuavam ou caíam?

E todas as manhãs eu tentava saber se era realmente verdade
se realmente estava acontecendo,
era comigo?

E as manhãs insistiam em me dizer que...
-sim!Sim,sim,mil vezes sim.
Ainda o vento estava por lá.

Era a realidade daquela nova vida
cujo câncer está por perto.
Eu nego?
Eu me revolto?
Eu ignoro?
Eu aceito?
Eu aceito.
Agora reestruturando tudo,
e visualizo os meus sonhos,
que estão por vir
que
quero insistentemente buscá-los

Me desculpe, eu não vou ignorar
os meus sonhos.
© TERAPIA E VIDA
Maira Gall